O filme leva tão a sério esta premissa que acaba por roçar o grotesco, transformando o conto de fadas numa espécie de manual existencial sobre auto-ódio estético, onde cada sacrifício é apresentado como escolha pessoal e coerção social, e onde a pergunta central é “até que ponto é razoável destruir-se para merecer existir?”
Antes de drama e terror, o IMDB classifica-o logo como comédia. Será como chamar “leveza” a uma pedra amarrada ao pescoço. Será uma comédia mesmo muito negra, de luto, porque o filme entrega sobretudo drama, desconforto e uma sensação persistente de que estamos a espreitar algo que não quer propriamente ser visto.
A história não engana: é a Cinderela revisitada, mas despida de varinha mágica e carregada de uma lucidez pouco simpática. A fábula clássica é passada a pente-fino com o olhar contemporâneo, aquele que já não acredita em finais felizes sem fatura associada. O centro emocional não é Cinderela, mas a meia-irmã, figura secundária que aqui ganha carne, insegurança e uma inveja que não é vilã, é humana. Acompanhamos de perto o seu sentimento de inferioridade, essa comparação permanente e corrosiva que o espelho social insiste em repetir.
O filme funciona como metáfora pouco subtil, mas eficaz, dos sacrifícios que muitas mulheres continuam dispostas a fazer em nome da beleza, da aceitação e da promessa de ascensão social. Sacrifícios físicos, psicológicos, identitários. Tudo embalado numa estética que oscila entre o estilizado e o perturbador.
O resultado é um objeto estranho. Não estranho no sentido “ousado”, mas estranho como algo que nos fica atravessado. Não diverte, não consola, não oferece catarse. Observa. Julga pouco, mas expõe muito. E deixa o espectador com a incómoda sensação de que, afinal, o conto de fadas sempre foi uma história de dor, só que antes vinha coberta de açúcar.

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