Separation, A | Uma Separação

Um casal quer divorciar-se porque, imagine-se, a vida é complicada, o sistema não ajuda e ninguém quer abdicar de nada. 
Entra um pai senil, uma empregada doméstica mais fiel a Deus do que à verdade, um acidente que “ninguém viu”, um tribunal que existe mas não resolve, tudo isto filmado como se fosse um documentário sobre pessoas normais a arruinar a própria vida com convicção moral, sem música, sem heróis e sem catarse, até chegarmos ao brilhante desfecho em que ninguém aprende nada, ninguém ganha e o espectador fica apenas com a sensação reconfortante de que, afinal, podia estar bem pior,  podia ser uma destas pessoas. 

“A Separação” surpreende-nos pela frontalidade e proximidade, mas passa-se bem longe (Irão), num contexto cultural muito específico e diferente do nosso (ocidentais) mas tratado sem exotismos nem condescendência. 

Estamos no campo do hiper-realismo, tudo parece filmado como se estivéssemos a assistir a um documentário, com a câmara sempre próxima, colada aos rostos, aos silêncios, às hesitações. Não há música a manipular emoções, não há enquadramentos bonitos, há apenas pessoas, falíveis, contraditórias, presas em decisões impossíveis, humanas. Estamos constantemente dentro daquilo que sentem, não como observadores distantes, mas como cúmplices involuntários. Cada gesto, cada palavra mal colocada, cada pequena omissão tem peso real. 

Vamos assistindo ao crescendo de um conflito mas sem grandes reviravoltas narrativas, porque a vida é assim: confusa, injusta, ambígua. 

É um filme sem bullshit, que se limita a mostrar sem nos querer convencer de nada ou, pelo menos, apenas convencer-nos de que existem muitas razões, muitas verdades que se podem enlear entre si... Não há moral fácil, não há vilões claros, não há catarse reconfortante. E talvez por isso o filme acabe por ser tão desconfortável porque não estamos habituados a este tipo de cinema, que confia plenamente na inteligência do espectador, sem explicações mastigadas. 

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