Antes de Matrix, houve este They Live, e a ligação entre ambos é evidente: a verdade é brutal, desconfortável e muito menos sedutora do que a ilusão. John Carpenter constrói aqui uma visão ferozmente simples e eficaz de uma realidade artificial sustentada pelo consumo, pela obediência e pela cegueira voluntária, antecipando, em mais de uma década, ideias que viriam a ser recicladas, sofisticadas e amplificadas pelo cinema de finais dos anos 90.
They Live não é, talvez, o melhor filme de Carpenter, lugar que continua justamente reservado para The Thing, mas foi, muito provavelmente, o filme que mais o destacou e credibilizou como autor, provando que era possível fazer cinema politicamente mordaz dentro das limitações do chamado cinema de série B, onde se sentia como peixe na água.
Carpenter sempre foi mestre em tirar o máximo partido de orçamentos reduzidos, e é curioso notar que, quando teve finalmente um orçamento mais generoso para transformar Big Trouble in Little China num verdadeiro blockbuster, acabou por sabotar involuntariamente essa ambição, reduzindo o filme a um objeto de culto com alma de série B.
They Live, pelo contrário, assume sem pudor essa identidade e transforma-a em força. A escolha de Roddy Piper, lutador de wrestling, como protagonista, reforça essa fisicalidade crua do filme, tornando evidentes as suas limitações interpretativas, mas também a sua presença física, algo bem visível na lendária e interminável cena de pugilato, onde a técnica e a resistência dizem mais do que qualquer diálogo.
No final do dia, They Live foi um filme que, quase de certeza, muitos realizadores gostariam de ter realizado. Funciona como uma crítica direta à sociedade de consumo e à clivagem entre povo e elites, propondo uma leitura desconfortável do mundo moderno, onde a realidade é uma construção conveniente — uma ideia que Matrix viria mais tarde a embrulhar em couro preto e filosofia pop.

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